Vivências

Meu filho é gay e daí? Por Letícia Pereira

Junho chegou e com ele as festas juninas, o dia dos namorados, o dia de Santo Antônio, São Pedro e São João, o dia do orgulho LGBT, o friozinho do inverno… Eu adoro esse mês! Talvez seja o meu sangue nordestino falando mais alto…Para comemorar vou postar mais uma história emocionante de superação, a da Letícia Pereira, mãe do Luis Felipe. Tenho certeza que esse texto vai ajudar muitas mães, pais e parentes a vencerem seus próprios preconceitos, pois quando há amor tudo é possível.

Obrigada Letícia por dividir com a gente sua história.

Abaixo a íntegra do texto que também está publicado no Instagram e Facebook da Letícia.

 

Meu filho é gay. E daí?
E daí que é importante pra mim. Ser gay é só mais uma das características do meu filho, ele é gay, tem os olhos castanhos esverdeados, cabelo castanho escuro (apesar de estarem platinados nesse momento rs), é comunicativo, inteligente, bom filho e [insira aqui todos os outros elogios que qualquer mãe coruja (que é o meu caso) diria]. Consegue entender? Quando digo que ele é gay, digo apenas que ele é gay, como quando digo que ele tem os olhos castanhos esverdeados. Apenas isso.
Gostaria de dizer que foi tudo muito simples e fácil pra mim, mas não foi. Eu não fui dessas mães que sempre tiveram suas dúvidas quanto à sexualidade do filho. Meu filho sempre me apresentou várias namoradas e começou de forma bem precoce. No pré escolar, aos 5 anos de idade, ele já me falava de uma tal de Tuane que ele era apaixonado. Aos 9 anos ele deu o primeiro beijo de língua, que me deixou de cabelo em pé. Aos 17 anos ele iniciou um namoro com a minha ex nora que durou 5 anos. Era praticamente um casamento. Meu filho falava abertamente comigo sobre sexo e sobre a sua vida sexual com a namorada, nada que me fizesse suspeitar que ele pudesse também gostar de garotos.
Quando terminou o namoro com ela, eu estava batizada e frequentando fielmente uma igreja evangélica. Meu filho também era batizado, mas já não frequentava os cultos. Ele, que sempre foi muito caseiro, passou a frequentar algumas baladas, o que já ia à contramão de tudo o que eu entendia como certo e errado através da igreja, mas ele já tinha seus 22 anos de idade e não havia nada que eu pudesse fazer em relação a isso. Certo dia ele me convidou para fazer compras no shopping. Não era um convite estranho, afinal, eu e ele sempre tivemos um relacionamento de muita amizade e companheirismo, mas mãe sempre tem sexto sentido apurado e algo me dizia que havia algo “errado” naquele convite. Fomos ao shopping e ele fazia questão de ir a uma loja em específico. Na loja, que é dessas de departamento, enormes, mais parecia que ele procurava alguém, do que as roupas que ele dizia querer comprar. Foi quando o olhar dele e outro garoto se encontraram e ali vi os olhos do meu filho brilhar. Brilhar é pouco, reluziam. Vi os dois abrindo um sorriso tão sincero e bonito que automaticamente me fez perceber que era um sorriso apaixonado. Foi um soco no meu estômago. Me senti enjoada. Agredida. Na mesma hora o puxei pelo braço e disse que iríamos embora. Ele, assustadíssimo com a minha reação, dizia não entender o que estava acontecendo, mas tudo o que eu mais queria era sumir daquele lugar ou sumir do mapa.
Já no carro, enquanto eu segurava o meu choro, perguntei a ele o que é que estava acontecendo. Pressionei-o de uma forma tão dura que ele foi obrigado a me contar. E me contou em prantos. Soluçava de tanto chorar enquanto me contava que havia conhecido um menino e que havia se apaixonado por ele. Me contou que a intenção dele naquele dia era que eu o conhecesse e que eu pudesse perceber que ele era uma boa pessoa antes de ele finalmente poder me contar que estava namorando com ele. Fiquei horrorizada. Nada do que eu já havia passado na vida parecia ser pior do que aquilo. Falei pra ele que preferia ter morrido antes de ter descoberto isso. Também disse palavras muito duras pra ele, fui cruel com meu filho. Vi ele se encolhendo, quase derretendo no banco do carro, enquanto eu o diminua com toda a minha agressividade, apenas verbal, mas que teria doído menos se tivesse sido física. Falei pra ele que ele era obrigado a contar tudo para o pai dele (que eu era casada na época), pois eu não estava disposta a carregar sozinha esse segredo. Ele não queria contar, não estava preparado pra contar nem pra mim que ele via como uma amiga, muito menos para o pai dele, na qual ele sempre teve problemas de relacionamento. Alguns dias depois, encontrei uma máquina fotográfica nas gavetas dele e antes mesmo de ligá-la já sabia o que eu poderia encontrar. Inúmeras fotos dele com o namorado. Felizes, sorrindo, se beijando. Enlouqueci. Chamei o pai dele e abri o jogo. Não sabia o que poderia acontecer à partir dali, mas já não aguentava carregar todo o peso sozinha. Quando meu filho chegou do trabalho, estava nós dois na cozinha esperando por ele como dois policiais esperando por um bandido. Novamente, de forma cruel, fizemos ele contar tudo aquilo que ele não se sentia pronto para contar. Quase como numa sessão de tortura, fizemos ele revelar cada detalhe sobre o relacionamento dele. E depois de muito choro de todas as partes, demos a ele duas opções: ou ele voltaria pra igreja, terminava o namoro e “voltava a ser hetero” ou ele teria que sair de casa. Sem ter outra opção, ele aceitou votar pra igreja, terminar o namoro e fingir junto com a gente que nada nunca aconteceu. Achei que o problema havia sido resolvido.
Durante os cultos que meu filho voltou a frequentar, via ele sentado no banco, chorando em prantos até soluçar durante as pregações. Era um choro de culpa, ele se sentia culpado por ser quem ele era, por amar um outro rapaz, ele pedia em silêncio para que Deus fizesse algo por ele e que ele pudesse deixar de ser gay. Eu vi meu filho sangrando e sofrendo, mas ainda assim eu achava que era melhor assim do que ter um filho gay.
Ele nunca havia terminado com o namorado e os dois passaram a se encontrar escondido. Num final de semana qualquer, eu e meu ex marido fomos para o sítio e deixamos ele em casa sozinho. Nesse mesmo final de semana ele levou o namorado pra nossa casa, afinal era uma rara oportunidade de eles passarem muito tempo juntos e nesse mesmo final de semana ele descobriu que o namorado estava traindo ele. O rapaz voltou pra casa dele, enquanto meu filho sofria 1) pela dor da traição, 2) por ter se assumido por alguém que lhe apunhalou na primeira oportunidade. Meu filho passou a madrugada inteira chorando sozinho e foi a primeira vez que ele planejou suicídio (e só anos depois fiquei sabendo disso). Ele escreveu uma carta de despedidas e planejou tomar todos os remédios que tivesse na casa, até morrer. Mesmo com toda a sua dor e mesmo sem eu merecer, meu filho pensou em mim e na dor e na culpa que eu iria carregar caso ele se matasse, então ele desistiu do ato.
Alguns meses depois ele começou a namorar com outro rapaz e saiu de casa. Foi morar com ele, que a principio ele dizia ser um amigo. Eu e meu filho que sempre fomos tão amigos e sempre sabíamos tudo sobre a vida um do outro, passamos a perder contato. Já não nos falávamos mais com frequência, eu já não sabia mais como ele estava. E foi o pior período de todos para mim como mãe. O Luis Felipe é meu filho único. É o grande amor da minha vida. Foi quem sempre esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis da minha vida. Talvez a única pessoa na qual eu posso contar e confiar de olhos fechados. Alguém que sempre me encheu de orgulho e sempre fez o possível e o impossível para que eu me orgulhasse. Lá estava eu, distante do meu filho, sem saber como ele estava, se sofria com a minha ausência, se sofria algum tipo de preconceito, se precisava de alguma coisa, eu não sabia nada. Eu sabia que ele namorava com aquele rapaz que ele morava, eu não era cega, no fim, todo mundo sabia. Aos finais de semana, ouvia na igreja de forma frequente, que homossexualidade é pecado, que Deus fez o homem e a mulher, que homossexuais são promíscuos e vão para o inferno, eles desenhavam pessoas horríveis, sujas e nojentas. Eles estavam falando sobre meu filho, mas meu filho não batia com nenhuma dessas descrições. Foi então que eu me cansei de tudo aquilo, cansei de aceitar que desenhassem o meu filho como um monstro horrível e pecador. Cansei de me preocupar com o que a minha família iria pensar sobre meu filho, cansei de me preocupar com os vizinhos, cansei de me preocupar com o que a igreja dizia, eu cansei. Passei a me preocupar com uma única coisa, a mais importante de todas: o meu filho. No dia do aniversário de 24 anos dele, em 2015, eu fui até o apartamento que ele morava e em prantos eu dei um abraço apertado nele e disse que eu o amava e aceitava ele do jeito que ele é. E que se existisse outra vida ou eu tivesse que ter ele outra vez, eu gostaria que ele fosse exatamente do jeito que ele é, sem mudar absolutamente nada. Pedi perdão por tudo o que eu já havia dito e feito para ele. Minha vida mudou à partir de então. Eu me reconectei com meu filho, voltei a fazer parte da vida e da rotina dele, conheci o namorado dele e ficamos amigos. Saímos algumas vezes nós três juntinhos, voltas no shopping, almoços, jantares, tempo o suficiente pra eu perceber tudo aquilo era mais do que normal, era mais do que natural, era amor. Percebi que meu filho ainda era o mesmo, e que já não me importava mais se ele estava amando um homem ou uma mulher, o que mais me importa é ver a sua felicidade, o seu sorriso no rosto, é saber que independente do preconceito que ele sofra na rua, que ele tem uma mãe em casa que vai estar sempre de braços abertos pra acolher ele e pra secar as suas lágrimas sempre que for preciso. Apoiar o meu filho mudou completamente a minha vida, da forma mais positiva possível. Me fez repensar inúmeras questões. Fez com que eu me livrasse de inúmeros preconceitos e tabus que eu carregava comigo. Me encorajou a encerrar um casamento de mais de 25 anos, que já não me trazia felicidade. Me fez trocar de emprego e encarar novos desafios. E quanto a igreja: um lugar que não aceita o meu filho, não é um lugar onde eu queira estar. O meu Deus, aquele que eu acredito e oro todos os dias, ele ama a todos de forma igual, e não se importa com quem meu filho está dormindo, mas sim, o que meu filho carrega no coração.
Nem sempre é fácil, mas que o amor sempre fale mais alto.
Meu filho é gay sim.
E eu tenho muito orgulho disso
!

 

 

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1 Comentário

  • Responder Camille Garzon 4 de junho de 2017 at 00:12

    Lindo, emocionante!❤️

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