Vivências

“A mãe compreende até o que os filhos não dizem”

Maio chegou! E com ele, a celebração de um dia especial dedicado às mães, uma data que se tornou sinônimo de afeto e carinho.
Neste post vou contar a vocês a história da Maria da Graça e da Maria Eduarda, mãe e filha. A Maria Eduarda é uma mulher trans que conheci em uma reunião do PAPPADIS (Projeto de Apoio aos Pais e Parentes na Aceitação da Diversidade Sexual), projeto do qual faço parte e que foi lançado em 2016 pela Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ.
E é com esta narrativa sobre elas que pretendo, simbolicamente, homenagear a todas as mães.
Na reunião do projeto em que as conheci, me dei conta de quanto o preconceito é traiçoeiro. Apesar da minha evolução nos últimos anos e de pensar (pura inocência) que tinha dominado os preconceitos em relação à orientação sexual ou identidade de gênero, quando a Maria Eduarda adentrou à sala vi que ainda tenho muito caminho pela frente. O processo não para.
Após aqueles minutos iniciais, consegui me reprogramar, acalmar minha mente, e então pude acompanhar uma história emocionante de superação, acolhimento e de muito amor envolvido. O sofrimento de uma mulher trans é cotidiano, está presente no dia a dia, e parte desde o preconceito velado, passando pela discriminação aparente, pela exclusão e pelas agressões não só psicológicas, mas chegando também às físicas.
Mas vamos falar da mãe, Maria da Graça, mulher guerreira que mostrou sua força e seu amor na luta pela felicidade de Maria Eduarda. E para isso ela precisou rever sua lista de amigos: “Quem gosta de mim e aceita minha filha tem minha amizade e meu respeito”.
Ela também foi atrás de conhecimento e de experiências já vividas, e ouvia tudo com o coração. “Maria Eduarda, minha filha, é muito amada e respeitada por nós, e nada mais importa”, disse segura e orgulhosa, mas deixando clara a disposição de gritar para a sociedade, se preciso fosse.
Maria da Graça não titubeou em aceitar nosso convite para dividir comigo e outras mães o seu processo de aceitação. Foram mais de 30 anos sendo mãe de um menino e uma menina, até que seu mundo virou, e se viu sendo mãe de suas meninas.
Ela nunca havia desconfiado de nada, apesar de algumas pessoas dizerem que seu filho era ‘diferente’. Para ela, o ‘diferente’ nada mais era que uma criança educada. E esse menino cresceu, namorou, formou-se, casou e se separou. Foi nessa época que voltou a morar com a mãe e a irmã.
Maria da Graça começou a perceber, depois de um tempo, que ele andava muito triste, cabisbaixo, sem ânimo nem mesmo para trabalhar. Vendo aquele sofrimento, resolveu chamá-lo para uma conversa franca e pediu que ele lhe abrisse o coração. Foi quando, em meio à emoção do momento, ela escutou:
– Mãe, sou homossexual.
– Ah, é isso então? Pensei que fosse algo grave – respondeu aliviada.
O tempo foi passando e ela via que seu filho ainda não estava bem, não estava feliz. Resolveu chamá-lo para uma conversa novamente. Foi aí que ouviu pela primeira vez a expressão “identidade de gênero”. Não tinha noção do que era, mas foram conversando sobre o que ele sentia, o que sabia, e começaram então a escrever um novo e bonito capítulo na vida.
Ela entendeu o que era identidade de gênero e passou a imaginar o sofrimento de uma pessoa ao se olhar no espelho e não se reconhecer, o tormento de uma mulher vivendo ocultada em um corpo masculino. Começaram as preocupações, os medos, as rejeições e os atos preconceituosos desferidos contra a Maria Eduarda, mas nasceram também sentimentos maravilhosos. Expor sua verdade trouxe alguma dor e mágoa, mas ela foi libertadora e transformadora.
“Perdi um filho, mas com certeza ganhei uma filha incrível, companheira, batalhadora, amiga e, principalmente, feliz”, nos contou com brilho nos olhos.
Maria da Graça, com seu depoimento na reunião, nos mostrava e nos ensinava, como mãe, que o amor materno nada mais é que o amor em sua forma mais simples, pura e verdadeira, aquele sentimento que nos alimenta e nos preenche em tudo.
E posso dizer com orgulho: que família linda! Mãe e filhas convivem em plena harmonia, e hoje se propõe a ajudar outras mães e famílias que ainda não superaram a barreira do preconceito.
O que aprendi?
Que o padrão aprisiona, que para mudar é preciso coragem, que o importante é ser feliz, cada um do seu jeito. Precisamos sempre respeitar as diferenças e não podemos nunca baixar a guarda – temos de ser vigilantes com nossas reações espontâneas cobertas de preconceito.
O que estou sentindo?
Gratidão. Nunca é tarde para tentar ser alguém melhor e mais humano.
Parabéns pelo Dia das Mães, Maria da Graça.
Tenha certeza de que você enaltece, engrandece, inspira e traduz perfeitamente o significado de ser mãe.
“Ser mãe é dar-se. Aceitando sempre qualquer resultado e resposta” (José L.N. Martins)

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