Essa semana navegando na internet encontrei um depoimento emocionante de superação e amor, da Mércia Falcini, mãe do Gabriel. Entrei em contato, contei do blog e do PAPPADIS e ela, gentilmente, me encaminhou um texto para ser compartilhado. Fiquei encantada com o texto que ela me enviou…tenho certeza que irá ajudar muito outras famílias vencerem os próprios preconceitos.
Super obrigada, Mércia.
Boa leitura!!!
“Percebi que estava diante uma escolha: desconstruir as verdades de toda uma vida ou perder o filho.
Desde que meu filho revelou sua orientação sexual, tenho pensado em escrever uma série de crônicas abordando o tema. Foram muitas as tentativas. No começo, temia a exposição e consequentemente a opinião dos outros. Dei um tempo.
E o tempo, esse senhor que sabe esperar, trouxe-me enfim a segurança, a tranquilidade e o equilíbrio necessários para então assumir essa função, que julgo social.
A escrita, quando publicada, se transforma num bem intangível. Nenhum escritor consegue prever o alcance de suas palavras. E elas chegam longe… Mais longe!
Não fomos criados para ser pai ou mãe de filhos gays. Na gravidez, durante os meses de gestação, pensamos e projetamos diversas possibilidades. Chegamos inclusive a cogitar problemas físicos e mentais na criança a nascer, mas nunca e jamais, pelos menos na minha geração, pensamos no nascimento de um filho ou uma filha homossexual.
Por isso, ao descobrir que o meu primogênito é gay, fiquei inconformada. No manual de como ser mãe – por mim estudado desde menina -, não constava o capítulo de que o filho poderia nascer gay.
Entrei em desespero.
Ignorante, minhas expectativas e respostas comportamentais se davam de forma binária: homem gosta de mulher; mulher gosta de homem, e ponto-final. Tudo o que pudesse contrariar essa forma de organização parecia, para mim, aberração. Anomalia. Doença.
Pensando dessa forma, percebi que estava diante uma escolha: desconstruir as verdades internalizadas de toda uma vida ou perder o filho.
E foi com esse sentimento que iniciei, quando já achava que não tinha mais nada a começar, um longo e difícil processo de desconstrução. Desconstruir as verdades é virar o sentimento do avesso. E “o sentimento quando vira do avesso é uma flor maligna”, como diz Lya Luft.
Por isso mesmo, tudo isso não foi, e não é nada fácil. Até hoje me deparo com questões da homossexualidade do meu filho que me viram do avesso. Uma simples e inocente troca de afeto dele com seu namorado, por exemplo, em algumas situações pode me tocar. Prova de que as verdades internalizadas têm raízes profundas, nada fáceis de arrancar. Mas a flor maligna mesmo, que contamina meu sentimento com seu perfume fedorento, é a homofobia social.
Ouvir comentários agressivos, piadas e risadinhas maldosas sobre homossexualidade é, para as mães de gays, um câncer incurável. E é também a fórmula para semear verdades de raízes profundas. Uma criança que cresce ouvindo, em encontros familiares e sociais, comentários preconceituosos aos gays, na adolescência – caso se descubra homossexual – terá muito mais dificuldade em se aceitar, porque internalizou de forma inconsciente o quanto a homossexualidade é errada.
Aliás, se as dores fossem mensuráveis, maior do que a dor causada pela homofobia social é presenciar o sofrimento do seu filho gay em processo de autoaceitação. Mas esse será assunto para a próxima crônica.”
Mércia Falcini, 50 anos – Pedagoga e Psicanalista – autora do livro “Conversas Entrelinhas”, que reúne uma coletânea de crônicas focadas no desenvolvimento humano e educacional.
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