Domingo nublado em casa…navegando na internet encontrei no site Brasilpost, uma carta escrita por uma mãe para outros pais acerca da “orientação sexual dos filhos”. É um desabafo emocionado. Ela conta como foi quando se deparou com o seu preconceito, que sentiu vergonha do filho e que nem mesmo o seu amor incondicional foi suficiente para evitar a separação por anos. Ela se arrepende muito e espera ter uma segunda chance com o seu filho. Ah! Ela também defende (eu tenho certeza) que só através do conhecimento e da luta é que se vence o preconceito. Abaixo a íntegra da carta, postada, em 28.12.15, no Brasilpost, por Caio Silva, ativista gay do Piauí.
“Até certo ano nossa família sempre esteve unida nas comemorações do Natal e Ano Novo.
De repente, como em um piscar de olhos, durante o ano que chegou após maravilhosas comemorações, meu filho assumiu ser homossexual.
Foi muito difícil entender o que significava aquilo. Eu temia, entre diversas situações, que nas próximas comemorações ele levasse um homem para a nossa festa familiar e o apresentasse como namorado. Não queria dizer para ele, mas os meus únicos sentimentos em relação a essa possível situação eram vergonha e medo da retaliação que minha família iria nos impor. Fiquei muito focada na minha tristeza, na minha frustração, e ignorei o que ele estava sentindo.
Não soube lidar bem com a situação e ele foi embora. Passei anos sem nenhuma notícia dele. Não dormia, não me alimentava direito, não sabia se ele estava bem, se estava vivo, se estava triste e se estava se alimentando tão mal quanto eu. Deixei o meu bebê, meu eterno bebê, assumir sozinho a dura sobrevivência nesse mundo. Todas as minhas orações falavam dele e pediam a Deus que o protegesse. Onde estava o meu filho?
A saudade e a dor dessa distância eram tamanhas, que eu passei a desejar tê-lo por perto, independente da sua orientação sexual. Eu só queria o meu filho por perto, mas onde ele estava?
Todos os dias me perguntava se um dia iria vê-lo de novo. Mais que isso, me perguntava se um dia eu seria merecedora do seu perdão. Caí na real que magoei o meu filho e neguei-lhe o amor incondicional que sentia por ele. Criei condições para esse amor e ele não sentiu a influência e segurança que esse amor poderia lhe oferecer.
Meu amor me fazia capaz de avançar como uma leoa sobre qualquer pessoa que magoasse o meu filho, mas fui eu quem o magoei. Eu merecia uma segunda chance, mas onde estava o meu filho? Será que ele sentia a minha falta?
Alguns anos depois, no Dia das Mães, ele me procurou por uma ligação telefônica, com uma voz chorosa que disse sentir a minha falta. Eu nunca mudei o número do telefone da nossa casa, para que no dia em que ele quisesse entrar em contato, conseguisse. Eu queria e pedia essa ligação todos os dias, mas não usei aquele tempo distante para me preparar para ela e simplesmente não soube o que falar, não soube transmitir para ele o meu desejo de tê-lo por perto novamente.
Ele me falou sobre a sua vida, de como ela tinha mudado, de como ele estava feliz, de como ele havia crescido. Ele se formou longe de mim, tinha uma casa que foi construída e montada sem que eu pudesse lhe dar nem uma panela. Ele tinha um companheiro que eu só conseguia enxergar como amigo. Eu não havia vencido o meu preconceito, que travestido de medo e vergonha, era preconceito.
Eu sou mãe, mas sou humana, sou imperfeita, sou feita de erros e acertos. Hoje eu quero acertar e resolvi escrever esta carta para todas as mães e pais.
Pode ser que um dia o seu filho ou filha chegue até você e assuma uma orientação sexual diferente da que você sonhava para eles. A orientação sexual dos seus filhos não diz respeito a você. É correto sonhar com o que você quiser, mas lembre-se de voltar para a realidade sempre que um sonho seu envolver a liberdade de escolha e a de vida de outra pessoa.
Descobri que há uma forma de vencer o medo, a vergonha, o preconceito: envolva-se na luta pelo fim desses sentimentos. Não imponha seus sentimentos às escolhas dos seus filhos. A menos que você deseje uma vida como a minha, não imponha.
O fato do meu filho ter tido sucesso na vida é um mérito somente dele. Jamais poderei dizer que tenho orgulho da minha maternidade. Errei feio. Todo o sucesso dele poderia ter sido fracasso e aí sim, o mérito seria todo meu. Que mãe deseja o mérito sobre o fracasso total na vida de um filho?
O mundo está repleto de preconceito, de criminosos que não poderiam ter dez segundos sequer, sozinhos, perto de uma pessoa LGBT. Não permita jamais que seus filhos estejam sozinhos por aí, sem o seu amor.
As comemorações de fim de ano estão aí novamente e mais uma vez passarei o Natal e Ano Novo longe do meu filho, pois as feridas que causei a ele ainda não estão totalmente fechadas. Ainda não reconquistei a confiança dele. Ainda não fui clara de que ele pode trazer o seu marido e filho para passarmos estas comemorações juntos.
Me dei conta de que ele alcançou tudo o que eu sonhava para a vida dele: uma formação profissional promissora, uma família e alguém que o amasse. Mas não tive maturidade suficiente para aceitar isso da forma que ele quis e precisava construir. Fui egoísta e quis desenhar a história dele.
Não repitam o que eu fiz. Não repitam o que ainda estou fazendo. De verdade: façam o que eu digo, não o que faço. Eu gostaria, mas ainda não venci o meu orgulho pessoal de chegar até ele e dizer que errei feio. Eu já disse isso para algumas amigas, mas ainda não tive coragem de dizer para ele. Estou escrevendo esta carta para começar a consertar isso.
A minha intenção é ensaiar dizer tudo o que ele merece ouvir, mas antes de dizer a ele pessoalmente, gostaria de deixar a minha experiência com outras mães e pais. Não trilhem o mesmo caminho.”
* A identidade da autora da carta será preservada a pedido da mesma.
foto: temosquefalarmaissobreisso.com.br
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