O Mundo Delash é um portal das MULHERES! É um espaço – muito legal – que foi criado com o intuito de promover o debate acerca das questões das mulheres que gostam de mulheres. Quando recebi o convite da Roberta (uma das meninas do portal, super querida) para contar o meu processo de aceitação para ser postado no site, na sessão Família Ê, fiquei muito, mas muito feliz mesmo, pois seria mais uma oportunidade para ajudar outros pais a vencerem seus preconceitos. Meninas, foi uma honra participar do portal de vocês. 👭
Bem, vamos deixar de enrolação e postar logo o texto:
Assim como, na trajetória da humanidade, os eventos importantes são definidos como ‘marcos históricos’, na nossa vida temos alguns capítulos especiais que nos marcam de alguma forma e simbolizam um divisor de águas na nossa evolução pessoal.
Uso alguns desses marcos pessoais para ir montando o quebra-cabeças do que sou agora e como cheguei até aqui. Gosto também de frases curtas geniais que conseguem definir uma carga enorme de emoções em tão poucas palavras. Por exemplo: “É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela” (do Nietzsche).
A minha explosão interior, aquela que bagunçou toda a minha compreensão de vida e todos os meus conceitos e opiniões, que estavam organizadinhos e arrumadinhos no meu papel de mulher, mãe e cidadã, deu-se no começo de 2012, no mês de março, numa reunião de mulheres da família para um happy hour na casa da minha filha. Durante o bate-papo descontraído, percebi alguma coisa diferente no ambiente, mas achei que era o efeito da caipirinha. Ainda assim perguntei o que estava acontecendo.
– Mãe, é que quero te contar que tenho uma namorada.
Meu instinto de mãe foi rápido e sincero na resposta:
– Você está feliz? Porque é isso que importa e eu estarei sempre do seu lado.
Ali eu estava aceitando o fato, porém, não compreendia a realidade. E isso me doeu.
No meu íntimo, havia criado, desde quando minha filha nasceu, uma biblioteca enorme em que cada livro era um sonho idealizado por mim para o caminho dela. De repente, todas aquelas estantes começaram a vir abaixo, num efeito dominó, e vi no chão todos os livros desfolhados, com suas páginas soltas e sem sentido naquele momento.
As perguntas
Eu tenho alguma culpa? Falhei como mãe? É genético?
A partir daquela revelação eu quis entender o porquê daquela situação. Buscava responsabilidades, caçava culpas, recapitulava cada momento, desde a infância, para tentar encontrar o ponto que perdi.
Numa primeira procura na internet, quase me desesperei. Eram poucos e esparsos os artigos dedicados aos pais, havia pouco compartilhamento de outras mães que passaram pela mesma situação. O que encontrava, e muito, eram relatos de jovens que se assumiram e sofreram com o preconceito e rejeição da família.
Aos poucos, e junto com um processo de autoconhecimento, fui atrás de literatura, vídeos, e acabei encontrando e trocando experiências com mães que passaram pelo mesmo processo.
Então, comecei a fazer as perguntas certas a mim mesma para conseguir as respostas necessárias. Vi que não existe uma receita certa, mas há um princípio essencial: aceitar e caminhar junto. A harmonia interior vem com a experiência conjunta, mãe e filha, juntas, de mãos dadas, percorrendo e conhecendo o novo caminho.
Esse processo necessita de tempo, requer compreensão e disposição para sair do mundinho encaixotado no qual a nova realidade não tem espaço.
Percebi que os livros com os sonhos que havia idealizado para minha filha não estavam destruídos – as histórias é que não estavam completas porque não me pertenciam totalmente. Mas agora são histórias muito mais lindas e emocionantes do que as primeiras, porque são feitas de verdades e de amor. Destruídas mesmo estavam apenas as estantes que acomodavam os livros – isso porque foram construídas numa base frágil e carcomida de tradição preconceituosa.
A partir daí surgiu a vontade e a ideia de compartilhar minhas experiências com outros pais para ajudá-los nesse novo mundo. E assim criei meu blog, o Beija-Flor – Família sem Preconceito.
E, quando começamos a nos transformar em seres melhores, atraímos boas pessoas e tantas outras coisas positivas acontecem. É a lei do retorno. Eis que recebi um presente decorrente do meu blog: fui convidada pela Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ para fazer parte de um projeto da instituição para auxílio aos pais na aceitação da diversidade sexual.
Desse convite nasceu o PAPPADIS – Projeto de Apoio aos Pais e Parentes na Aceitação da Diversidade Sexual, com o objetivo de oferecer um espaço de acolhimento e informação aos familiares acerca desta diversidade sexual através da troca de experiências com outros pais e parentes que vivenciaram a mesma realidade e que hoje querem ajudar outras famílias.
Hoje, sou mãe e sogra. As meninas se casaram em julho deste ano. Foi uma festa deslumbrante, que só perdeu em brilho para a felicidade das noivinhas, radiantes com a celebração do amor e de poder compartilhar esse momento com toda a família e cercadas de amigos. Foi lindo!
Não me tornei, é claro, e Graças a Deus, uma pessoa perfeita, mas estou muito satisfeita e realizada com minha transformação interna e por ter conseguido corresponder à confiança depositada em mim por minha filha.
Continuo atenta e aprendendo, e assim seguirei enquanto estiver viva. Aprendendo continuamente, mas desfrutando o máximo de cada nova descoberta e de cada novo momento.
E atenta a cada situação, porque o preconceito é traiçoeiro – quando menos se espera, lá está ele querendo espaço. Aqui não!
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